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Um problema de interpretação

  • Por roberto fragoso
  • 28 fev., 2018

Sabemos que o ambiente legislativo é bastante complexo, pois envolve uma série de esforços para a inserção de comando novo, certas vezes colocando em confronto interesses genuínos claramente opostos.

A preocupação com a qualidade da elaboração de texto claro no processo legislativo, não só por óbvio, mas também para aqueles mais incautos, está prevista na Lei Complementar 95/98. Mas há em certas ocasiões, uma total falta de preocupação com as possíveis consequências sociais pela norma propositalmente escrita de forma obscura.

Nos anais do STF, mas especificamente no RE 201.465-6, há uma passagem muito interessante do Ministro Nelson Jobim, que com sua experiência legislativa, nos explica: na falta de consenso fazia-se "acordos dilatórios” onde se redigia o tema de forma tal que deixasse espaço para interpretações de ambos os lados, ou seja, não se solucionava o conflito e este era jogado para o Poder Judiciário.

Somos obrigados a reconhecer que o processo legislativo é complexo, mas daí a aceitar estas manobras para acomodar interesses de forma alguma podem ser aceitos. Ademais, também não podemos aceitar o bombardeio retórico de: “foi o melhor que se pode fazer”, ou, “todos tivemos que ceder um pouco”. A função do poder legislativo é instituir normas claras, pois o que está em jogo é muito mais do que um mero acordo político, mas a harmonia da sociedade.

De outro lado, o judiciário recebe das partes a obrigação de resolver o conflito, daí sua equidistância. A este poder cabe a aplicação imparcial da norma, indiferentemente do credo, cor ou status social das partes.

Quando a norma não é clara, precisa, é analogamente como uma roleta, alguém pode ganhar, mas sem ter elementos satisfatórios para este resultado. Então quando encerrado o processo, a sociedade perde, pois não era claro o direito nem para o vencedor quanto o perdedor.

Em outros casos, a norma não é assim tão complicada para ser interpretada, mas o julgador erra. E é para isso que temos quatro instâncias de julgamento, entendendo o STF como corte superior de todas, acima do STJ. Não entraremos aqui no mérito da mudança de posição jurisprudencial, que alguns comemoram como uma evolução da corte, mesmo sendo a mesma lei e o mesmo fato com um novo entendimento.

O duplo, triplo ou quadruplo grau de jurisdição funciona como um filtro para ajuste de erros, em que pese ser recorrente haver muito boas decisões em todos os tribunais. Mas e se o erro é na própria corte superior?

Conforme noticiado pela imprensa no ano passado, em palestra realizada na 13ª Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, o Ministro Gilmar Mendes afirmou: "Recebemos uma série de demandas. E quem recebe muitas demandas acaba tendo que dar resposta a elas. E nem sempre as respostas serão as mais corretas. Muitas vezes nós nos arrependemos".

O eminente ministro põe claro que muitas vezes as decisões não são as mais corretas. Verificamos também que o texto escrito é, em certas situações, propositadamente confuso, obscuro. Temos aqui formado o caos.

Uma possível conclusão lógica é que as chances de uma boa decisão neste tribunal são baixas, pois entre norma clara e norma confusa e decisão boa e decisão ruim, há apenas uma possibilidade em quatro possíveis da norma ser boa e também a decisão.

A tarefa interpretativa não é um exercício simples, mas quando apimentada com um legislativo imprudente e um judiciário negligente, fica muito mais difícil saber o que fazer.


Roberto Pérez Fragoso

Por roberto p 10 de outubro de 2019

O vale alimentação é um tema que tem sido recorrentemente objeto de julgamento pelos tribunais administrativos e judiciais, e que pese ser um assunto antigo, ainda guarda diversas questões não resolvidas, seja pela forma do seu pagamento ou pelo cumprimento de determinadas obrigações estabelecidas nas leis e decretos que tratam sobre o tema e outros temas correlatos, há diversas disputas entre contribuintes e fisco sobre a correta incidência da cota patronal.

No que trata da forma de pagamento, a lei determina a não incidência do auxilio-alimentação, sendo proibido o seu pagamento em dinheiro. O problema sempre foi o vácuo legal quando o pagamento é feito via vale-alimentação, ou ticket, aqui tratados como sinônimos. Neste caso, os tribunais administrativos e judiciais haviam historicamente se manifestado que o pagamento em vale-alimentação seria considerado como fato tributável para fins previdenciários, ou seja, sujeito a incidência da cota patronal.

Em recente decisão da Câmara Superior de Recursos Fiscais – CSRF, última instância administrativa-federal optou por novo entendimento sobre o tema, cancelando o auto de infração, baseado no fato que o pagamento em vale-alimentação mais se aproxima ao fornecimento de alimentação in natura que propriamente do pagamento em dinheiro, não havendo diferença relevante entre a empresa fornecer os alimentos aos empregados diretamente nas suas instalações ou entregar-lhes em forma de ticket refeição para que possam se alimentar nos restaurantes conveniados.

Acrescento que não se faz relevante a forma pela qual é feito o pagamento da verba, pois a sua maneira do fornecimento da alimentação, por si só, não altera a sua natureza, a sua essência e sua finalidade.”

É uma mudança muito interessante deste tribunal, que agora teremos de aguardar se esta nova abordagem também será adotada pelo STJ.

 

Por roberto p 2 de maio de 2019

Publicação recente do Tribunal de Impostos e Taxas -TIT, afirmou a impossibilidade de se tributar o ICMS quando da manipulação de medicamento, pelo fato deste “ requerer conhecimento técnico especializado, sob encomenda, de uso exclusivo do paciente, sob prescrição médica ”. 

O encaixe é perfeito quando se trata do item 4.07 da LC 116 – serviços farmacêuticos. Abstraindo os complementos “do paciente, sob prescrição médica”, que os diferencia dos demais, caímos nos elementos essenciais da prestação do serviço: conhecimento técnico especializado, sob encomenda e de uso exclusivo...

Ou seja, não pelo formalismo da LC 116, mas pela necessidade de existência de conhecimento técnico especializado, encomenda e uso exclusivo do contratante que se fundam a existência do fazer, sua substância. Por sua vez, também é necessária a aplicação de materiais na prestação de serviço, sejam eles jurídicos ,decorrente do papel e tinta para a impressão do relatório, ou pelo concreto e aço utilizado na construção civil. 

Ocorre que não é pela aplicação dos materiais que determina a incidência de ISS ou ICMS, a não ser que o próprio legislador, ao determinar especificamente certas situações, considerou certos fatos sujeito ao ICMS, como por exemplo, o item 14.01, mesmo sendo "serviços", como no caso de manutenção de máquinas e elevadores, onde partes estão sujeitas ao ICMS, dado que as peças são elementos necessários para a prestação do serviço.

 A incidência se dá pela natureza da operação, serviço ou mercadoria.  A íntegra da decisão possui o seguinte texto:

 

Data: 08/03/2019

Recurso ESPECIAL

AIIM: 4.021.308-0

Ementa: ICMS – MANIPULAÇÃO DE MEDICAMENTOS – INCIDÊNCIA – ICMS X ISSQN. 1. Recurso conhecido, pois caracterizado o dissídio. 2. Mérito. A manipulação de medicamentos constitui atividade mista, caracterizada pela prestação de serviço farmacêutico (manipulação) e fornecimento de mercadoria (medicamento manipulado), prevista no item 4.07 da lista anexa à Lei Complementar 116/2003, que se realiza sob a responsabilidade direta de profissional registrado no Conselho Federal de Farmácia. Incidência do ISSQN, e não do ICMS. Precedentes do E. STJ. Recurso Especial da Fazenda Estadual conhecido e não provido.

Por roberto p 7 de fevereiro de 2019
Tem sido uma grande discussão a possibilidade da aplicação da multa qualificada, pois necessária a existência de fraude. Dentre estas possíveis ocorrências, o CARF tem julgado a dedução do ágio interno como fato sujeito à qualificação da multa  pela falta de propósito negocial. Daí a grande indagação pela busca da essência dos negócios:

Nº Acórdão  9101-003.885

Ementa(s)  
Assunto: IRPJ e CSLL
Ano-calendário: 2004, 2005, 2006, 2007
ÁGIO. REORGANIZAÇÃO SOCIETÁRIA. FALTA DE PROPÓSITO NEGOCIAL. INEFICÁCIA.
A reorganização societária na qual inexista motivação outra que não a criação artificial de condições para obtenção de vantagens tributárias é inoponível à Fazenda Pública. Negada eficácia fiscal ao arranjo societário sem propósito negocial, restam não atendidos os requisitos para a amortização do ágio como despesa dedutível, impondo-se a glosa da despesa e a recomposição da apuração dos tributos devidos.
ÁGIO DE SI MESMO. INCONSISTÊNCIA.
Carece de consistência econômica ou contábil o ágio surgido no bojo de entidades sob o mesmo controle, o que obsta que se admitam suas consequências tributárias.
INCORPORAÇÃO DE SOCIEDADE. AMORTIZAÇÃO DE ÁGIO. EFEITOS NA BASE DE CÁLCULO DA CSLL. VEDAÇÃO.
Os artigos 7º e 8º da Lei nº 9.532/1997 instituíram regras específicas às hipóteses de fusão, cisão e incorporação que são exclusivas ao âmbito do IRPJ, como bem explicitam os incisos III e IV do caput do antedito artigo 7º, ao estabelecerem que as influências da amortização do ágio baseado na alínea "b" do § 2º do artigo 20 do Decreto-lei nº 1.598/1977 estão restritas à apuração do lucro real, uma vez ausente da redação de tais dispositivos da Lei nº 9.532/1997 qualquer referência à apuração da base de cálculo da CSLL.

Assunto: Normas Gerais de Direito Tributário
Ano-calendário: 2004, 2005, 2006, 2007
ATO SOCIETÁRIO SEM PROPÓSITO NEGOCIAL. ÁGIO DESPROVIDO DE SUBSTÂNCIA ECONÔMICA. PROCEDÊNCIA DA MULTA QUALIFICADA.
Se os fatos retratados nos autos deixam fora de dúvida a intenção do contribuinte de, por meio de ato societário desprovido de propósito negocial, gerar ágio artificial, despido de substância econômica e, com isso, reduzir a base de incidência de tributos, deve-se resguardar a qualificação da multa aplicada pela Fiscalização.


Por roberto p 11 de dezembro de 2018
Com enorme orgulho queremos repartir com nossos amigos e clientes que, pelo segundo ano, fomos selecionados para a publicação do "  The Best Lawyers in Brazil  " , na categoria  "Tax Law" .
Para nós isso representa o nosso compromentimento em sempre oferecer qualidade em tudo que fazemos.
Não podemos, claro, deixar de agradecer à todos  pela confiança em nós depositada.

 Aproveitamos para desejar um Natal  e Ano Novo próspero e cheio de realizações.
 Excelente 2019!

Equipe Pérez Fragoso advogados
Por roberto p 17 de setembro de 2018

O processo de fornecimento de energia elétrica pode ser dividido em basicamente 3 partes, sendo a geração, transporte e distribuição da energia para os consumidores, sendo que, por sua vez, podem ser contratadas de duas modalidades: livres e cativos. Os primeiros adquirem a energia através de agentes da CCEE e os segundos, adquirem energia direto da concessionária em fatura única com preço cheio.

Na contratação livre é comum haver vários tipos de contratos: fornecimento, transferência e distribuição, o que não ocorre com o cativo. Baseado na ocorrência de diversas operações comerciais para o recebimento da energia, os contribuintes passaram a questionar a incidência do ICMS sobre os valores pagos a título de TUST/TUSD ( Tarifa de uso do sistema de distribuição/transmissão de energia elétrica )  por não constituírem uma operação mercantil, e portanto, não sujeita ao ICMS, tanto na transferência quanto na distribuição.

Tem sido a posição do STJ que é devida a exclusão da TUST/TUSD da base de cálculo do ICMS com base na Súmula 166: “ Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte ”, indiferente se a operação é livre ou cativa.

Porém, em recente decisão no julgamento deste tribunal, a 1ª Turma demonstrou uma possível mudança de entendimento ao julgar por maioria que a TUST/TUSD não é atividade-meio e sim parte da operação, sendo a geração, distribuição e transmissão formam o conjunto dos elementos essenciais que compõe a operação de energia e, portanto, a base tributável do ICMS.

Como a separação dos contratos é de fácil visualização no consumidor livre e não no cativo, argumentou-se também que se tal incidência deveria se aplicar para ambos, sob pena de desrespeito ao princípio da livre concorrência.


Roberto Pérez Fragoso  

Felipe Fragoso


Por roberto p 8 de maio de 2018

Quando da criação do Código Tributário Nacional, o legislador inseriu regras importantes para a restituição/compensação tributária. Determinou que os tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de  tê-lo transferido a terceiro, estar por este, expressamente autorizado a recebê-la.

Ou seja, se houver pedido de restituição ou compensação, ou prova que assumiu o custo dos tributos ou recebe do seu cliente autorização expressa para o crédito. Dado que todos os tributos são repassados na fórmula preço e portanto, transferidos, seria necessário que quaisquer restituições, sejam sobre venda, folha, ativos e lucro, estivessem sujeitos a tais regras.

Os tribunais têm decidido que apenas os tributos indiretos estariam sujeitos a esta regra. A classificação de tributo direto ou indireto têm como essência a relação com aquele que assume o custo do tributo , sendo considerados o ICMS, IPI e ISS como tributos indiretos, mas ainda não firmou posição quanto ao PIS e a COFINS.

Como há muitos contribuintes discutindo a não incidência do PIS e da COFINS sobre o ISS e/ou ICMS, é bem possível que no momento da habilitação do crédito, o fisco alegue que há necessidade da prova da assunção do custo, o que será muito difícil em alguns casos e impossível em outros dado o problema de demonstração. Das inúmeras decisões sobre a matéria, os raros casos que tiveram êxito se tratavam de preços controlados pelo poder público.

Por outro lado, é bem possível que os tribunais administrativos e judiciais terão de decidir se estas contribuições têm natureza de tributo direto ou indireto e a partir disto será ou não possível verificar a aplicação da referida regra.  

Pela ótica judicial, cada processo tem suas peculiaridades, sendo uma delas como foi feito o pedido na inicial. Se omissa quanto a não aplicação deste artigo, poderá ser objeto de alegações no pedido de homologação do crédito, o que poderá colocar incerteza quanto a compensação, além de alongar o prazo desta possível compensação.

Por isso muito cuidado em considerar que a decisão final do mérito dará imediatamente o benefício do crédito do PIS/COFINS sobre o ICMS ou ISS.


Roberto Pérez Fragoso
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